terça-feira, 5 de abril de 2016

Reflexões políticas sobre uma máquina de lavar



Quando comprei minha primeira máquina de lavar louça, ela era toda branquinha, branquinha. Após anos de uso intensivo, foi preciso deixá-la na assistência técnica para substituição de uma válvula e, dias depois, quando a fui buscar, fiquei surpreso ao notar que queriam devolver-me uma máquina de lavar com a porta amarela. "Não é essa a minha máquina!", objetei. "Minha máquina é toda branca, não tem essa tampa amarela".
Pacientemente, o técnico explicou-me que aquela era, sim, a minha máquina: o tempo e a água quente haviam-se encarregado de mudar a cor do polímero de que é fabricada a porta.
Hoje percebi que a porta da minha segunda máquina de lavar também mudou de cor. O tempo e as provações mudam qualquer coisa, incluindo-se aí as máquinas e as pessoas. Pais, esposos, quem se afeiçoa e convive não percebe as mudanças lentas, diárias, sutis e implacáveis -- e o objeto que vemos diariamente e a cuja imagem ideal nos afeiçoamos permanece para sempre igual na nossa mente, por mais que os olhos insistam em mostrar coisa diversa. Nosso ideal permanece imutável e não há realidade que o subverta. E isso nos faz felizes para sempre. (Claro que também existe aquilo ou aqueles que mudam para melhor.)
Mas as máquinas de lavar louça também explicam o motivo pelo qual é possível amar um ditador ou um político desonesto: quem o ama comprou sua aparência inicial e não o viu mudar; e o enxerga imaculado. Somente o distanciamento, ou o desamor, pode mostrar as marcas das horas e as cicatrizes dos eventos.
É por isso que, em política, amar é pernicioso.


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