quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Pax Mafiosa

Mais uma vez tomo a liberdade de inserir neste modesto blog uma opinião relevante, tomada de um jornalista que faz eco ao que eu tenho declarado aqui sobre o vínculo entre a corrupção no serviço público (incluídos aí o Legislativo, o Executivo e o Judiciário) e a criminalidade. A lúcida análise feita por Clóvis Rossi sobre artigo do Professor Juan Gabriel Tokatlián mostra o que está exatamente embaixo do nosso nariz -- e que esse nariz está plenamente enterrado na areia. Publicado na Folha Online de 25/11/2009.

Pax mafiosa

O título acima não é meu, mas de Juan Gabriel Tokatlián, professor de Relações Internacionais da Universidade Di Tella, da Argentina, e um dos maiores especialistas latino-americanos, talvez o maior, em segurança e defesa, temas que estuda há muitíssimo tempo.

A "pax mafiosa" é uma referência ao fato de que houve "um crescimento pavoroso do crime organizado", que se tornou uma ameaça à segurança nacional e também um "fenômeno sociológico".

"Não toda a América Latina, mas muitos ambientes regionais vivem a pax mafiosa", dispara Tokatlián. Inclui o México, a América Central, o Caribe insular e, sim, "centros urbanos no Cone Sul, inclusive Brasil e Argentina", para não falar obviamente da região andina, grande produtora de drogas, um dos principais "produtos" do crime organizado.

Mas não é o único produto, é bom que se diga. Há também contrabando em geral, de armas em particular, prostituição, tráfico de mulheres, enfim um elenco assustador.

Tokatlián identifica três fases no crescimento do crime organizado: a primeira é o que chama de "predatória", ou seja, a ocupação de espaços. Ele não citou o exemplo, mas é fácil enquadrar a guerra nos morros do Rio de Janeiro nessa fase.

A segunda etapa é a "parasitária", em que a atividade econômica derivada do crime organizado caminha junto com atividades legais.

Fecha o círculo a fase "simbiótica", em que há "um matrimônio entre a dinâmica criminosa e a legal".

Desconfio seriamente que o Brasil, ao menos parte dele, está já na terceira fase, mas faltam estudos capazes de dizer se é isso mesmo ou não.

O fato é que os criminosos compõem hoje "uma classe social emergente", com um efeito político óbvio: "Essa classe social emergente é, acima de tudo, reacionária", diz o estudioso argentino.

Completa: "Usa a democracia para manipulá-la".

Já Juan Pablo Corlazzoli, coordenador para América Latina e Caribe de Governabilidade Democrática do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, solta um dado que evidencia o casamento entre criminalidade e autoritarismo: em Honduras, antes do golpe que depôs o presidente Manuel Zelaya, uma pesquisa feita pelo PNUD mostrou que 59% apoiariam um governo autoritário desde que resolvesse a grave crise de segurança que o país vive, como toda a América Central aliás.

É óbvio que o golpe não foi dado a partir dessa pesquisa, mas é igualmente óbvio que o crescimento do crime, organizado ou não, predispõe a cidadania a aceitar qualquer coisa. Os números de homicídios dolosos na América Latina comparados a outras região são tremendos: foram 25,1 assassinatos por 100 mil habitantes em 1997, último ano para o qual há dados comparáveis. Na Europa Ocidental, apenas 1,4 por 100 mil.

O Brasil fica mal na foto: em 2001, 23 pessoas de cada 100 mil morreram assassinadas.

O que impressiona, além dos números, é o fato de que os governos, inclusive o brasileiro (o atual como os anteriores), são omissos. Não se vê ação em nenhum dos quatro pontos que Tokatlián acredita serem essenciais para enfrentar o problema: "maior presença do Estado; uma sociedade civil ativa; uma separação nítida entre o que deve ser feito pela polícia e o que deve ser feito pelos militares; e uma cooperação efetiva entre os países".

Ante a omissão, é natural que se vá impondo a "pax mafiosa".


Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às quintas e domingos na página 2 da Folha e, aos sábados, no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".


quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Voltei duas vezes ao meu passado e, nas duas vezes, não te vi. Onde estavas, no meu passado?

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Queremos mais bandidos

O mais novo ministro do STF, Carlos Ayres Britto, votou pela extradição do terrorista italiano Cesare Battisti, condenado na Itália à prisão perpétua por assassinar quatro pessoas. A votação no Supremo ficou empatada e aguarda o voto do Presidente do Tribunal, Ministro Gilmar Mendes (aquele que até hoje não explicou o que significa a expressão "seus capangas do Mato Grosso", usada pelo Ministro Joaquim Barbosa).

Ocorre que o Ministro Gilmar está fazendo o que pode (se está fazendo também o que não pode, eu não sei) pra não votar. Tem as razões dele lá para não se posicionar nesse caso.

Mas, para que o Ministro Gilmar não vote, é preciso mudar a votação original. Desse modo, busca-se agora fazer com que o calouro Carlos Ayres Britto mude seu voto. Mudar o voto! O homem vota conforme entende que deve votar mas é pressionado a desvotar. E vejam só como é a pressão: a defesa do réu contratou um ex-mestre do Ministro Carlos para convencê-lo a mudar o voto. Defesa é defesa e deve apelar pra tudo quanto é santo, mas como é que os advogados conseguem pressionar o juiz a mudar seu voto?????? A quem interessa que Battisti escape à punição por seus crimes, de resto já determinada pela justiça italiana? Quem somos nós, no Brasil, pra dizer que o crime de Battisti, cometido na Itália e julgado lá, é um "crime comum", um "ato terrorista" ou um "ato político"?

Nossa tradição jurídica é de anistiar criminosos, libertar criminosos, conceder benefícios a criminosos, dar penas brandas a criminosos ou, mais comumente, sequer puni-los.

Agora estamos exportando nossa expertise para o Lácio, como um carma desgraçado que volta para assombrar os juízes italianos.