segunda-feira, 9 de julho de 2012

O Paradoxo da Árvore do Conhecimento

Disse Claudio Paiva no Facebook:

"Na sua análise sobre os atentados de 11 de setembro, Baudrillard precisa ainda mais essa reversibilidade entre o Bem e o Mal: 
'Esse é precisamente o ponto crucial – a total incompreensão da parte da filosofia ocidental, da parte do Iluminismo, sobre a relação entre o Bem e o Mal. Ingenuamente acreditamos que o progresso do Bem, o seu avanço em todos os campos (ciências, tecnologia, democracia, direitos humanos), corresponde a derrota do Mal. Ninguém parece entender que o Bem e o Mal avançam juntos, são partes de um mesmo movimento. O triunfo de um não eclipsa o outro – longe disso. Em termos metafísicos, o Mal é considerado como um infeliz contratempo, mas esse axioma, do qual todas as formas maniqueístas de batalhas entre o Bem o Mal derivam, é ilusório. O Bem não conquista o Mal, ou vice-e-versa: ambos são irredutíveis em relação ao outro, e inextrincavelmente relacionados.'[7]"

Procurando digerir, pensei que a Humanidade torna-se mais eficiente para praticar o Mal à medida que assimila coisas do Bem -- como conhecimento, por exemplo. Coisa tenebrosa! Como ama naturalmente o conhecimento, o Homem não pode escapar indefinidamente à sua atração; e, ainda que decida permanecer na ignorância, isso não diminuirá a intensidade ou a quantidade de Mal que já é naturalmente capaz de causar a si ou a outrem. Uma vez que o conhecimento gradativamente neutraliza a quantidade de mal que alguém possa inadvertidamente infligir a si mesmo, quer parecer que, pelo menos no que tange à autoproteção, o Conhecimento (um Bem),  apoiado no instinto de sobrevivência (outro Bem), tende geralmente a superar o Mal da autodestruição. Então, entre o Mal e o Bem que se pode causar a si ou aos outros existe apenas a Vontade. O que dirigirá a Vontade? Se for o conhecimento da capacidade de lidar com os resultados das próprias ações, então o Conhecimento, aplicado desde o microcosmo até o macrocosmo, será um Bem que eventualmente inviabilizará o Mal.

Claudio ajudou: "Para além das idéias de Deus e do diabo, estamos irremediavelmente entregues ao "Cuidado de Si", ao auto-controle que pode mediar nossas ações e assim transcendermos às tentações do mal. E o inferno não são só os outros"!

sábado, 7 de julho de 2012

A Vontade Segundo Zaratustra


Em um trecho de "Assim Falou Zaratustra" (Friedrich W. Nietzche, 1885), um homem expõe o desgaste de suas crenças e de suas virtudes no decurso das batalhas contra suas necessidades, que ele chama de "inimigos". E conclui que somente sua Vontade mantém vivos os espíritos de todos esses tijolos do seu Ser; e impedem sua desagregação:
"Assassinastes as visões e as mais queridas maravilhas da minha juventude! Tirastes-me os meus companheiros, os espíritos bem-aventurados. Em sua memória deponho esta coroa e esta maldição.
Esta maldição contra vós, meus inimigos! Não abreviastes o que eu tinha de eterno, como um som que se extingue na noite fria? Mal chegara até mim como um brilhar de olhos divinos – um momento fugido!
Assim, em boa hora, falou, noutro tempo, a minha pureza: “Divinos deverão ser, para mim, todos os seres.”
Então vós me assaltastes com imundos avantesmas. Ai de mim, para onde fugiu aquela boa hora?
“Todos os dias, para mim, deverão ser sagrados” – assim falou, noutro tempo, a sabedoria da minha juventude: em verdade, a linguagem de uma alegre sabedoria. Mas então, ó inimigos, roubastes minhas noites e as mudastes em insone angústia. Ai de mim, para onde fugiu aquela alegre sabedoria?
Noutro tempo, anelei por felizes presságios: então, pusestes no meu caminho uma monstruosa e repelente coruja. Ai de mim, para onde fugiu o meu anelo?
Noutro tempo, jurei abandonar toda a repugnância; então, transformastes em pústulas a minha vizinhança e o meu próximo. Ah, para onde fugiu, então, o mais nobre dos meus juramentos?
Como cego percorri, noutro tempo, caminhos felizes; então, atirastes imundície no caminho do cego e, agora, causa-lhe repugnância o velho atalho.
E quando realizei o que me era mais difícil e festejava as vitórias das minhas superações: então, fizeste os que me amavam gritar que nunca eu os magoara tanto. 
Em verdade, foi sempre este o vosso modo de proceder: amargastes-me o meu melhor mel e o labor de minhas melhores abelhas.
Em busca da minha caridade, mandastes sempre os mais insolentes mendigos; em torno de minha compaixão, aglomerastes sempre os despudorados incorrigíveis. Assim feristes a minha virtude em sua fé.
E, se eu oferecia em sacrifício o que tinha de mais sagrado, logo a vossa “devoção” lhe acrescentava suas mais gordas oferendas: de modo que o que eu tinha de mais sagrado sufocava na fumaça da vossa gordura.
E, noutro tempo, eu quis dançar como ainda não dancei nunca: quis dançar para além de todos os céus. Então, aliciastes o meu cantor preferido.
E, então, ele entoou uma tétrica e horripilante nênia, buzinando, ai de mim, nos meus ouvidos como lúgubre trompa!
Oh, cantor assassino, instrumento da malvadez, e mais inocente que todos! Já estava eu preparado para a melhor das danças: com o teu canto, então, assassinaste o meu enlevo!Somente dançando, eu sei falar em imagens das coisas mais elevadas – e, assim, ficou-me silenciada nos membros a minha mais elevada imagem!
Silenciada e irredenta, ficou-me a mais elevada esperança! E morreram-me todas as visões e consolações da minha juventude!
Como pude suportar? Como sobrevivi a tais feridas e as superei? Como, desses túmulos, ressuscitou a minha alma?
Sim, qualquer coisa invulnerável e que não pode tumular-se há em mim, qualquer coisa que fende rochas: chama-se a minha vontade. Silenciosa e inalterada, procede através dos anos.
Quer caminhar, no seu passo, com meus pés, a minha vontade; inabalável, é seu ânimo, e invulnerável.
Invulnerável eu sou somente no meu calcanhar. Ali continuas vivendo e sempre igual a ti mesma, ó pacientíssima! Continuas abrindo caminho por entre todos os túmulos!
Em ti ainda vive o que ficou irredento da minha juventude; e, como vida e juventude, estás aqui sentada, esperançosa, nos amarelados escombros dos túmulos.
Sim, ainda és, para mim, a destruidora de todos os túmulos; salve, ó minha vontade! E só há ressurreição onde há túmulos.
Assim falou Zaratustra".