segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Caos de fim de tarde

Às 16:36 da segunda-feira recebo um telefonema macabro do meu cliente: o documento que protocolei na sexta-feira junto a um órgão público continha um erro primário -- errei no extenso de um número, o que prejudicava o objetivo do documento inteiro. Digo que posso corrigir e o cliente pergunta:

- Dá pra protocolar novo documento, com a correção, ainda hoje?
- Dá. (afirmação temerária, já que eram 16:40 e os guichês de protocolo fecham às 17:00h, eu estava a vários quilômetros de distância do órgão e estava começando a hora do rush em Brasília).

Assim mesmo, e com vontade de me matar por causa do erro estúpido, procurei legislação e jurisprudência pra embasar novo documento, fiz as alterações cabíveis e... cadê cartucho de tinta pra imprimir o documento? Entupiu ou acabou, sei lá. A moderníssima impressora não imprimia nada.

Pus tudo no pendrive, entrei no carro e parei em frente à papelaria que, infelizmente, não podia imprimir, mas indicou a lan house do outro lado da rua (embaixo do meu prédio) pra fazer o serviço. Deixei o carro na papelaria, cruzei a rua em pleno rush, quase trombei numa moto, mas consegui chegar à lan house. Impresso o documento, perguntei: quanto é? - Dois e quarenta, responde o uruguaio bonachão. Reviro a carteira e só encontro dois Reais. A lan não recebe em cartão. Abro um sorriso amarelíssimo e pergunto: - Posso ficar devendo quarenta centavos? O homem diz que sim, saio correndo até a o trabalho da Yenny pra pedir um Real pra fazer uma fotocópia para protocolo. Por sorte tinha. Corro de volta à papelaria, faço uma cópia do documento, entro no carro, corro para o órgão público às 17:05h, sem a menor esperança de poder cumprir a promessa feita ao cliente.

Hora do rush. Carro que não acaba mais. Atormentado pelo erro idiota, não cesso de me perguntar "por que isso acontece?" Lembro que fiz o documento às pressas, no escritório do cliente, usando o PC dele, com mil interferências, documentos espalhados por toda parte, senhas pra abrir o PC e a impressora a cada cinco minutos. Só fico mais exasperado. Resolvo evitar o Eixo Monumental, dou a volta no autódromo e chego ao órgão por trás, pelas 17:20h. Estaciono, corro até a portaria, identifico-me ao recepcionista e nenhum elevador está funcionando. Subo até o quarto andar pelas escadas; 17:35 e, pra minha alegria, o guichê está aberto! Pergunto se posso protocolar um documento e a moça diz que sim! Carimbo vai, assinatura vem, pronto! Vejo na minha via do documento que errei uma data de referência. Pergunto no guichê se posso imprimir de novo a primeira página nos computadores da seção. E não é que o cidadão diz que sim?

- Tá com o pendrive aí?
- Tô.

Bolso da camisa. Bolso da calça. Outro bolso. Bolsos de trás. Abro a pasta e procuro. Tiro da pasta tudo o que tem dentro e nada do pendrive. Me desespero. Não continha documentos confidenciais, mas era o último pendrive que me restava. Além disso, preciso dele pra arrumar essa bagunça aqui.

Faço uma rasura no documento e digo que vou procurar o pendrive no carro. Ponho tudo de volta na pasta e desço as escadas correndo. No carro, nem sinal do pendrive. Volto à papelaria na 113 Norte. Nada. Corro até a lan house. Nada. Pago os quarenta centavos e volto desolado pro carro, quando vejo, no chão do estacionamento, diante da papelaria, ao lado do pneu de um carro, quem? quem? o pendrive!!! E intacto!!! Não acredito!!!!!!!

Corro de volta ao órgão, 18:30 já. Estão lá me esperando, e já haviam ligado para o telefone impresso no papel timbrado do meu cliente, à minha procura, e no escritório do cliente ninguém me conhecia.

- Mas me ligaram por quê?

Não é que eu tinha posto na minha pasta todo o material escolar  e os trabalhos da faculdade da atendente? Mil desculpas depois, imprimi o documento, protocolei-o e voltei pra casa.

É devastador perceber que o Universo inteiro conspira a meu favor em pleno final de segunda-feira -- e que eu faço questão de avacalhar tudo.

domingo, 29 de agosto de 2010

A Reinvenção da Roda

Certas canções que ouço
cabem tão dentro de mim
que perguntar carece:
- Como não fui eu que fiz?
(Milton Nascimento, "Certas Canções")

Tenho erguido meu punho furioso, neste blog e alhures, contra a irresponsabilidade de magistrados que utilizam a lei como um padeiro utiliza a massa, fazem dela o que bem entendem e não respondem pelos prejuízos que, com seus muitos erros crassos, preconceitos, alienação social, vaidade, egocentrismo e até por corrupção, causam aos jurisdicionados  -- e, no caso dos juízes de tribunais superiores, a toda a sociedade. Em todas as vezes que protestei contra isso, senti-me como que pregando no deserto.

Eis que, no meio de uma pesquisa, surge um texto de Fábio Konder Comparato, intitulado "A Espada e a Justiça", que me dá a relaxante sensação de não ser um exilado, um apátrida, um alienígena sem planeta. No texto, o jurista comenta a infeliz decisão do STF ao julgar a ADPF nº 153, favorecendo os criminosos do regime militar (a propósito de "criminosos", vide Estatuto do Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, de 1945, art. 6, alínea c). Ao tratar da responsabilidade dos juízes, Comparato faz eco ao que eu estou careca de dizer:
"Além disso, seria de grande importância instituir ouvidorias populares dos órgãos da Justiça, em todos os níveis, com competência para exigir explicações oficiais sobre a atuação administrativa dos magistrados. O Judiciário tem sido tradicionalmente, aos olhos do povo, o mais hermético de todos os Poderes do Estado. É inútil procurar reduzir a desconfiança dos jurisdicionados em relação aos juizes, se entre uns e outros continuarmos a manter uma linha divisória intransponível.

Toda essa reforma institucional, no entanto, será vã, caso não logremos mudar a mentalidade de nossos magistrados, a qual, sob a aparência de fiel adesão ao princípio republicano e ao ideal democrático, permanece de fato essencialmente oligárquica e subserviente aos 'donos do poder'."

Para meu alívio, o texto de Comparato eu juraria que fui eu quem fez.

sábado, 28 de agosto de 2010

A Fuga

Capítulo I - Gigantes Caminham Entre Nós

Foi prevista nova inundação da Terra. Um de nós, que chamarei de O Mais Alto, acaba de passar-me essa informação. Para minha surpresa, a casa dele, onde estamos, havia sido preparada ao longo dos anos para a fuga. As salas amplas, minimalistas, com grandes janelas brancas envidraçadas, permitem ver, no exterior, os primeiros sinais dos tempos. Ao longe, O Pateta já está preso em uma parede de água, retendo a respiração por mais alguns minutos apenas, as mãos no bloqueio de vidro, olhando tristemente em nossa direção. Três andares abaixo de nós, no chão, famílias correm para se abrigar da destruição anunciada pelo tsunami. Ajoelho-me sobre o aquecedor perto da janela e chamo três vezes pelo nome de Deus, sem coragem para olhar aquela cena; um dos meus companheiros pergunta-me desdenhosamente se eu preferia estar lá fora, patetando no lugar daquelas pessoas, e sai, deixando-me atordoado.

Capítulo II - Tenho Tudo

Dentro da nossa casa começa a divisão dos ambientes entre as pessoas. Eu vou ficar em uma república, vizinha ao quarto do Mais Alto. No quarto dele, a movimentação de cargas é intensa, e eu brinco com a Mais Alta que precisarei aprender a nadar até aquele quarto durante a nossa longa travessia do Cosmos. Nisso percebo que outras pessoas estão também movimentando víveres, ainda que em menor quantidade, e descubro que eu também deveria juntar meus próprios víveres, ao invés de endeusar e mendigá-los a quem os tem. Apresso-me também, então, até a enorme geladeira, onde ainda encontro algumas peças de carne defumada, das quais me aposso imediatamente, deixando aos próximos apenas alguns pacotes de carnes de segunda. Recolho rapidamente mais alguns alimentos nas grandes despensas.

Tudo pronto, volto à sala menor com suas grandes janelas brancas e vejo um enorme trator amarelo passar rente à nossa casa e sumir por baixo dos telhados do lado direito, roncando alto e soltando fumaça enquanto a casa toda começa a vibrar e inclinar-se. Um comunicado vindo do Mais Alto informa que seremos reposicionados pelos equipamentos da S.H.I.E.L.D., e vejo vários outros tratores amarelos com guinchos muito altos no jardim. A casa de três andares é então removida dos seus alicerces, posta em posição horizontal e girada como uma funda dentro do pomar repleto de macieiras carregadas de frutos verdes, ácidos e maduros, e percebo que, em cada um deles, há uma frase escrita: "J#w quer" ou "eu quero" -- a vontade do Mais Alto está impressa em tudo ao nosso redor.

Capítulo III - Partida

As pessoas que moram no imenso condomínio ao nosso redor olham espantadas para a nossa casa, que em seguida é arremessada como um foguete sem motores ao longo de uma estrada pavimentada com plástico, ladeada por grandes árvores frutíferas e, agora, tomada por manadas de animais de todos os portes. A casa flutua no ar e muda de altitude somente quando necessário. Sobrevoamos um grupo de enormes paquidermes rosados, que o Mais Alto diz apreciar muito e, em seguida, encontramos um rebanho de touros parecidos com bisões, que contraem os abdômens em espasmos súbitos para emitir sons em frequência inaudível, o que faz parecer que estejam rindo. Nesse momento estamos a pé na estrada de plástico enquanto o Mais Alto repreende a todos, dizendo que matará quem se perder novamente do grupo. Seguimos todos a pé e vou conversando com A Mulher na retaguarda da tropa, olhando as casas vazias ao redor, quando de súbito percebemos que o grupo sumiu.

Capítulo IV - Separados do Grupo Superior

Agitados, olhamos para os lados e para o céu, procurando por eles, e vemos várias figuras aladas que se movem rapidamente em direção ao poente. Alçamos vôo procurando por nosso grupo entre as dezenas de voadores e não há sinal deles. Lembramos da advertência do Mais Alto e acreditamos que a morte virá automaticamente, se ficarmos para trás. Assumimos, então, nossa nova posição no eclético e desorganizado Grupo Intermediário, seguindo os bandos em direção ao Oeste, e insto A Mulher a voarmos mais alto, para podermos ver mais longe. Para trás, ficam os que não podem voar.

Capítulo V - O Obstáculo Ocidental e Meditação

Atingimos, então, uma gigantesca construção que era utilizada como ginásio, e que barra a passagem de todos. Entramos no imenso prédio, procurando maneiras de passar para o outro lado, e vemos que algumas pessoas já escalam as paredes ocidentais, apoiando-se em pequenos estribos de corda presos a intervalos curtos, e acessam diminutas janelas corrediças envidraçadas, que permitem ver o exterior. Subimos e estimulo A Mulher a passar por uma das janelas, enquanto esforço-me para passar por outra, anotando mentalmente as grandes lições de amadurecimento e prevenção, cuidados, atenção, foco, persistência, urgência, força e orientação que a Fuga nos ensina.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Batman no Brasil

Uma leitora da Folha de SP postou a seguinte frase, mistura de pergunta e apelo, abaixo de uma reportagem noticiando mais um assalto a joalherias em shopping centers da capital paulista: -"Cadê Batman?"

Outro leitor perguntou se era pra rir.

Batman é um símbolo de justiça sendo feita sem que o agente necessariamente prenda-se às amarras da Lei, mas sem que se cruze a fronteira entre o combate ao crime e o crime propriamente dito (a ruptura do contrato social).

Quando se clama por Batman, pede-se a desobstrução dos caminhos que levam da Lei até a Justiça, e isso passa pela limpeza não apenas do Judiciário, mas do Legislativo (principalmente) e também do Executivo. E, claro, pela óbvia necessidade de mobilização social organizada.

Pôr o Batman a serviço de qualquer político é uma temeridade, daí o emaranhado de Leis e ritos jurídicos presentes nos Estados democráticos: eles são um freio à plena aplicação da justiça; mas são, principalmente, uma salvaguarda contra o totalitarismo -- o que, sabemos na pele, não impede a ação de pequenos Napoleões em momentos de crise social.

Assim, uma bandeira que gostaríamos muito de ver nos palanques, neste momento em que a sociedade brasileira adquire, através das dores da experiência, conhecimento de sua situação de sitiada, é a do pleno cumprimento do contrato social: eu, cidadão, entrego minhas liberdades ao governo e recebo, em troca, justiça -- rápida, plena e incontestável.

Não é o caso de rir.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Friends

(for Yenny)

So no one told your life was gonna be this way
Your job is a joke, you're broke, your love life's D.O.A.
It's like you're always stuck in second gear
When it hasn't been your day, your week, your month, or even your year but...

I'll be there for you
When the rain starts to fall
I'll be there for you
Like I've been there before
I'll be there for you
Cause you're there for me too...

You're still in bed at ten
And work began at eight
You've burned your breakfast
So far... Things are going great
Your mother warned you there'd be days like these
But she didn't tell you when the world has brought
You down to your knees and

I'll be there for you
When the rain starts to pour
I'll be there for you
Like I've been there before
I'll be there for you
Cause you're there for me too...

No one could ever know me
No one could ever see me
Seems you're the only one who knows
What it's like to be me
Someone to face the day with
Make it through all the rest with
Someone I'll always laugh with
Even at my worst I'm best with you, yeah

It's like you're always stuck in second gear
When it hasn't been your day, your week, your month, or
even your year

I'll be there for you
When the rain starts to pour
I'll be there for you
Like I've been there before
I'll be there for you
Cause you're there for me too...

"I'll be there for you" - Friends Theme - Warner Brothers

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Tarde

Uma menina me ensinou
Quase tudo que eu sei
Era quase escravidão
Mas ela me tratava como um rei
Ela fazia muitos planos
Eu só queria estar ali
Sempre ao lado dela
Eu não tinha aonde ir
Mas, egoísta que eu sou,
Me esqueci de ajudar
A ela como ela me ajudou
E não quis me separar
Ela também estava perdida
E por isso se agarrava a mim também
E eu me agarrava a ela
Porque eu não tinha mais ninguém
E eu dizia: - Ainda é cedo
cedo, cedo, cedo, cedo.

Sei que ela terminou
O que eu não comecei
E o que ela descobriu
Eu aprendi também, eu sei
Ela falou: - Você tem medo.
Aí eu disse: - Quem tem medo é você.
Falamos o que não devia
Nunca ser dito por ninguém
Ela me disse: - Eu não sei mais o que eu
sinto por você.
Vamos dar um tempo, um dia a gente se vê.

E eu dizia: - Ainda é cedo
cedo, cedo, cedo, cedo.

Ico-Ouro Preto / Dado Villa-Lobos / Renato Russo / Marcelo Bonfá - "Ainda é Cedo"