terça-feira, 21 de junho de 2011

A Prudência



"Equo ne credite, Teucri! Quidquid id est, timeo Danaos et dona ferentis".

(Não confiem no cavalo, Troianos! Seja lá o que for, eu temo os gregos até quando dão presentes"): últimas palavras do sacerdote troiano Laocoonte, advertindo seus patrícios contra as artimanhas dos gregos, antes de ser atacado mortalmente por duas serpentes gigantes enviadas por Atena.


Laocoonte não tinha escolha. Precisava alertar seu povo e contava com a prudência de seus líderes, eufóricos com a "vitória" que a partida dos gregos evidenciava, e levados pelo vidente Chalcas, que os instava a trazer o enorme cavalo de madeira para dentro das impenetráveis muralhas. O plano de Atena, entretanto, não podia ser contrariado e estava decretado que a voz da Prudência seria calada pelo símbolo enganoso da Sabedoria.


Eis o Homem lutando, com todas as suas capacidades, contra o Destino; e eis a Providência manobrando a Vontade do Homem em proveito do Bem Maior.

Parece que, para ser senhor de seu Destino, o Homem precisa ter uma Vontade maior até que a Providência. Ou seja, a Natureza pode ser usada como aliada, mas de nada adianta opor-se a ela. O trabalho do Homem é perceber os caminhos da Natureza e evitar colocar-se em uma posição que a contrarie.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Atenção e memória



Acordei de uma estranha sucessão de símbolos, que hei de decifrar a cada mudança de ritmo, pressupondo que sua memória persista. De qualquer modo, lá estava a lembrança-mãe das últimas noites dos últimos anos, esgueirando-se veloz como um fantasma pela porta entreaberta, visível apenas pelo canto do olho.
Enquanto eu pensava nisso, algumas das mais belas impressões produzidas pela Humanidade vibraram pela sala, nas vozes e formas eletrônicas de Sofia e Dionísio, e o dia vestiu-se com as cores do Quênia, com os gestos trocados entre o caçador de elefantes e a dama urbana; e, em seguida, a Esperança veio e murmurou nos meus olhos sobre o meu filho.
O mundo é um livro, um livro mágico, cujas páginas abrem-se sempre que o leitor está de olhos abertos. Os anjos ensinam apenas a ler. Ler nas entrelinhas é o trabalho do Homem.
Eu ando pelo mundo
Prestando atenção em cores
Que eu não sei o nome
Cores de Almodóvar
Cores de Frida Kahlo
Cores!
Passeio pelo escuro
Eu presto muita atenção
No que meu irmão ouve
E como uma segunda pele
Um calo, uma casca
Uma cápsula protetora
Ai, Eu quero chegar antes
Prá sinalizar
O estar de cada coisa
Filtrar seus graus...
Eu ando pelo mundo
Divertindo gente
Chorando ao telefone
E vendo doer a fome
Nos meninos que têm fome...
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...
Eu ando pelo mundo
E os automóveis correm
Para quê?
As crianças correm
Para onde?
Transito entre dois lados
De um lado
Eu gosto de opostos
Exponho o meu modo
Me mostro
Eu canto para quem?
Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...
Eu ando pelo mundo
E meus amigos, cadê?
Minha alegria, meu cansaço
Meu amor cadê você?
Eu acordei
Não tem ninguém ao lado...
Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela? Quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle...
(Adriana Calcanhoto, "Esquadros")