quinta-feira, 7 de abril de 2016

O Golpe

Impossibilitada de ressuscitar a CPMF, a Presidente da República utiliza-se de expedientes mais sorrateiros para financiar sua campanha em curso junto ao Baixo Clero da Câmara dos Deputados: por exemplo, o Banco Central acaba de criar nova tarifa, no valor de R$ 80, sobre cada operação de câmbio resultante de ordens de pagamento recebidas do exterior por pessoas físicas -- como se não bastasse o IOF e o spread monstruoso de que o governo já se apropriava até o mês passado.

Juro que não me importaria de pagar 80, 100, 200, se soubesse que o dinheiro iria ser usado para salvar a vida de quem está nos corredores dos hospitais públicos ou para o atendimento das inúmeras carências às quais os brasileiros já nos acostumamos e às novas que começamos a enfrentar desde os anos mais recentes. Mas é fácil calcular que esse dinheiro irá suprir o desfalque representado por alguma emenda parlamentar obscura, cuja finalidade é a de dar à Presidente mais tempo para continuar não fazendo nada em proveito do país.

E ainda se atreve a chamar de golpe o processo republicano iniciado no Tribunal de Contas da União, regulamentado pelo Supremo Tribunal Federal e conduzido pelo Congresso Nacional na forma definida pela Constituição Federal.

Por mais fisiológicas e desacreditadas que tenham-se tornado as instituições da República, o processo de impedimento não deveria surpreender a uma chefe de Estado que claramente considera que os fins, sejam esses quais forem, justificam os meios.

terça-feira, 5 de abril de 2016

Reflexões políticas sobre uma máquina de lavar



Quando comprei minha primeira máquina de lavar louça, ela era toda branquinha, branquinha. Após anos de uso intensivo, foi preciso deixá-la na assistência técnica para substituição de uma válvula e, dias depois, quando a fui buscar, fiquei surpreso ao notar que queriam devolver-me uma máquina de lavar com a porta amarela. "Não é essa a minha máquina!", objetei. "Minha máquina é toda branca, não tem essa tampa amarela".
Pacientemente, o técnico explicou-me que aquela era, sim, a minha máquina: o tempo e a água quente haviam-se encarregado de mudar a cor do polímero de que é fabricada a porta.
Hoje percebi que a porta da minha segunda máquina de lavar também mudou de cor. O tempo e as provações mudam qualquer coisa, incluindo-se aí as máquinas e as pessoas. Pais, esposos, quem se afeiçoa e convive não percebe as mudanças lentas, diárias, sutis e implacáveis -- e o objeto que vemos diariamente e a cuja imagem ideal nos afeiçoamos permanece para sempre igual na nossa mente, por mais que os olhos insistam em mostrar coisa diversa. Nosso ideal permanece imutável e não há realidade que o subverta. E isso nos faz felizes para sempre. (Claro que também existe aquilo ou aqueles que mudam para melhor.)
Mas as máquinas de lavar louça também explicam o motivo pelo qual é possível amar um ditador ou um político desonesto: quem o ama comprou sua aparência inicial e não o viu mudar; e o enxerga imaculado. Somente o distanciamento, ou o desamor, pode mostrar as marcas das horas e as cicatrizes dos eventos.
É por isso que, em política, amar é pernicioso.