quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Alea jacta erat


Nos tempos de Fernando Henrique Cardoso a bandeira da Bahia dividia, com o Pavilhão Nacional, o espaço no cabeçalho do site oficial da República, numa deferência muito especial e exclusiva concedida ao senador Antônio Carlos Magalhães, poderoso aliado do presidente. Corria solta a anedota na qual o diabo evitava a morte do ex-governador baiano, porquanto, se tal ocorresse, seria este quem, daí por diante, iria mandar em todos os círculos infernais. Confiante, ACM enroscou-se na linha dada por FHC; e sua menor perda foi o cabeçalho.

Nesta quarta-feira, dia 2 de dezembro de 2015, Dilma Rousseff aplicou em Eduardo Cunha uma rasteira que terá superado aquela que FHC passou em ACM. O agora politicamente defunto presidente da Câmara nunca há de esquecer que uma amadora lhe aplicou um golpe de mestre, ao livrar-se da lei de responsabilidade fiscal (única grande cartada do impeachment) dentro da casa dele, por duas vezes seguidas.

Promessas descumpridas são característica dos nossos governos, mas, excluindo-se a possibilidade de que tudo não passe de um plano dentro de um plano dentro de um plano, o fato de Cunha acreditar num compromisso com Dilma foi o cúmulo da ingenuidade. 

Há os que afirmem que Cunha está apenas colhendo o que plantou, e que a Polícia Federal, o Ministério Público, o TCU e o STJ só agora estão agindo  para desbaratar quadrilhas conhecidas há séculos porque o governo atual lhes deu liberdade para agir. O fato é que a PF e o MP só estão levando a cabo essa devassa intitulada Operação Lava-Jato porque numa bela manhã encontraram, por acaso, a ponta do fio de um crime tributário num posto de gasolina em Brasília e começaram a puxá-lo, quando ninguém, nem o governo, suspeitava que isso fosse atingir os principais esquemas de enriquecimento ilícito em operação, desde sempre, no país. Esquemas, aliás, que o PT prometia combater e aos quais -- como se vê todos os dias nos jornais -- acabou por aderir maciçamente. Não fosse a estratégia de "vazamentos" na imprensa, os órgãos investigativos e fiscalizadores estariam manietados como sempre.


A cartada de mestre do governo foi chamada, ontem, de "ajuste fiscal"; mas, na prática, é apenas o ajuste da lei para que nela caiba o que seria, em qualquer país com real separação de poderes, um crime de responsabilidade. Levantou-se que, há alguns anos, o presidente norte-americano também se viu na necessidade de modificar o limite de endividamento do governo, sendo isso, portanto, igualmente aceitável no democrático Brasil. Falácia. Nos EUA, Obama pediu permissão antecipada para mover a margem em uma economia onde cem bilhões de dólares são troco; aqui, Dilma usou -- mal -- as nossas suadas reservas sem perguntar nada a ninguém, levando o país à recessão; e conseguiu que o déficit bilionário e histórico decorrente fosse aprovado pelo Congresso. Isso tem um nome, e não é "ajuste fiscal", tampouco "governo do povo, pelo povo e para o povo". O governo une-se a criminosos e, em troca de liberdade de ação, lhes dará refúgio contra a cadeia, criando impunidade por meio de sucessivas e oportunas mudanças das normas legais. A presidência da câmara é um preço baixo para uma das quadrilhas (a do PMDB, que é governo) pagar.

O prêmio de consolação será a aprovação da lei de repatriação da poupança suíça, que lavará as economias de todos os criminosos e livrará da prisão todas as quadrilhas. Essa também será uma jogada magistral, mas aplicar golpe contra a sociedade é lugar-comum e nem tem graça, pois a gente não sabe jogar.

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