Achei tão boa que resolvi copiar para este modesto blog uma bem-humorada crônica do jornalista
Fernando Bonassi, em que o autor trata da praticidade da verdade e de matérias afins. Extraída do livro "As Melhores Vibrações", de Fernando Bonassi. Tim-tim.
Você acredita no que ouve?
Costuma-se acreditar por aí, pelo menos da boca pra fora, que verdade é melhor que mentira... Isso, é claro, supondo que todos nós saibamos sempre o que é uma coisa e outra. Tentando o impossível, isto é, não entrar no mérito moral de um lance como esse, diria que a verdade é mais prática do que a mentira.
Explico: o bom mentiroso, por mais inexperiente que seja, sabe que mentira requer produção. Boa mentira tem drama, surpresa, urgência, emoção, colorido. A verdade nem sempre precisa de tanto brilho para ser aceita.
Mas espere: brilho também não é tudo. Como a clássica reportagem jornalística, a mentira precisa responder aos quesitos "quando", "onde", "como" e "por quê" de forma limpa, clara e direta.
Qualquer hesitação ou imprecisão desmonta o mentiroso, por melhores que sejam suas intenções. Intenções à parte, a verdade pode até ser mais prática ou mais honorável que a mentira, mas não dá o mesmo frisson.
Trocamos um bom e velho jogo da verdade pela história mais fabulosa, desde que ela nos tire da vida besta em que nos colocamos no dia-a-dia. Por essas e outras, o "álibi-fone", instalado no Hoff Bar, dá o que falar, embora melhor seria dizer "dá o que ouvir". Os proprietários do lugar instalaram uma cabine especial que permite ao usuário dar as suas "boas desculpas" embaladas por uma sonoplastia de alto nível.
Trata-se de uma cabine telefônica com tratamento acústico, de forma que a eventual bagunça de fora não invada o incauto ou incauta transgressora (que malandragem não é patrimônio masculino).
Ali, ele ou ela pode sacar o celular e escolher entre as quatro opções de sons de fundo disponíveis no momento: trânsito, obras, metrô e parque, que os usuários apelidaram carinhosamente de Ibirapuera. Esse último, aliás, o mais arriscado: há pássaros cantores demais para as áreas verdes do pedaço.
Eu disse "disponíveis no momento" porque, mês a mês, o repertório é trocado de forma a dar margem a desculpas sempre inéditas. Além do clássico trânsito, sempre útil na megalópole, o usuário, no mês que vem, poderá dispor de, por exemplo, "mar", "escritório" e, ainda em estudos, "guerra".
Não sei muito bem como a "guerra" pode ajudar o mentiroso local, mas quem precisa de mais tempo longe dos olhares da parceira ou do parceiro pode muito bem dizer que foi ao Líbano ou Colômbia, sei lá.... Cada um inventa o que melhor lhe convém ou, como já dissemos, o que mais tesão lhe dê.
Por essas e outras, senhoras e senhores, muito cuidado com o que andam ouvindo por aí, especialmente com aqueles prosaicos ruídos ao fundo das ligações urgentes de vossos amores.
Autor: Fernando Bonassi
Editora: Publifolha
Páginas: 152
Quanto: R$ 14,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha