sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Harmônica

Sempre houve música em casa. Minha mãe amanhecia cantando suas marchinhas; meu pai tocando chorinho na harmônica, que ele sempre chamou de realejo... Eu mesmo cantarolo o tempo todo, até quando estou no trabalho. Nem percebo. Meu caçula cantarola sem parar. Meu filhote mais velho produz musicais.

Lembro de ouvir Beethoven, vibrante, colérico, terrível, na radiola ABC Canário, enquanto olhava sua foto na parede do corredor com aquele cabelo despenteado, a carranca que aprendi a amar. Mozart, Liszt, Dvorak, Handel, Nelson Gonçalves, Chopin e Roberto Carlos moravam na sala de estar. Minha tia tocava música italiana no acordeon. Meu tio dedilhava Dilermando Reis no Di Giorgio lustroso, com cheiro de madeira boa, caprichando nas posições que lhe permitissem fazer com os dedos algum gesto que me divertisse. Desde pequeno diferencio um Del Vecchio de um Giannini só de ouvir tocar.

Numa manhã, dessas manhãs cheias de luz (aaaahhh vocês tinham que ouvir essa) acordei de um sonho feliz, ainda ouvindo meu pai cantar uma de suas canções favoritas:

Sul mare luccica, l’astro d’argento
Placida è l’onda,
Prospero è il vento.

Venite all’agile, barchetta mia,
Santa Lucia, Santa Lucia!


Comentei isso com ele pelo telefone, e rememorei o cheiro metálico do estojo revestido internamente de feltro vermelho, do realejo que eu pegava às escondidas quando ele saía, pra tentar tocar... Pois não é que, alguns dias depois, recebi uma caixinha láááá de João Pessoa? E o que tinha dentro?! O próprio. Nem acreditei que ele ainda existisse! Agora o querido instrumento repousa na minha estante de lembranças de casa, perto das fotos dos manos, das novas manas, dos filhos, de mamãe e de papai; meio emudecido, mas feliz de reencontrar-me, velho companheiro de aventuras de infância.

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