Capítulo I - Gigantes Caminham Entre Nós
Foi prevista nova inundação da Terra. Um de nós, que chamarei de O Mais Alto, acaba de passar-me essa informação. Para minha surpresa, a casa dele, onde estamos, havia sido preparada ao longo dos anos para a fuga. As salas amplas, minimalistas, com grandes janelas brancas envidraçadas, permitem ver, no exterior, os primeiros sinais dos tempos. Ao longe, O Pateta já está preso em uma parede de água, retendo a respiração por mais alguns minutos apenas, as mãos no bloqueio de vidro, olhando tristemente em nossa direção. Três andares abaixo de nós, no chão, famílias correm para se abrigar da destruição anunciada pelo tsunami. Ajoelho-me sobre o aquecedor perto da janela e chamo três vezes pelo nome de Deus, sem coragem para olhar aquela cena; um dos meus companheiros pergunta-me desdenhosamente se eu preferia estar lá fora, patetando no lugar daquelas pessoas, e sai, deixando-me atordoado.
Capítulo II - Tenho Tudo
Dentro da nossa casa começa a divisão dos ambientes entre as pessoas. Eu vou ficar em uma república, vizinha ao quarto do Mais Alto. No quarto dele, a movimentação de cargas é intensa, e eu brinco com a Mais Alta que precisarei aprender a nadar até aquele quarto durante a nossa longa travessia do Cosmos. Nisso percebo que outras pessoas estão também movimentando víveres, ainda que em menor quantidade, e descubro que eu também deveria juntar meus próprios víveres, ao invés de endeusar e mendigá-los a quem os tem. Apresso-me também, então, até a enorme geladeira, onde ainda encontro algumas peças de carne defumada, das quais me aposso imediatamente, deixando aos próximos apenas alguns pacotes de carnes de segunda. Recolho rapidamente mais alguns alimentos nas grandes despensas.
Tudo pronto, volto à sala menor com suas grandes janelas brancas e vejo um enorme trator amarelo passar rente à nossa casa e sumir por baixo dos telhados do lado direito, roncando alto e soltando fumaça enquanto a casa toda começa a vibrar e inclinar-se. Um comunicado vindo do Mais Alto informa que seremos reposicionados pelos equipamentos da S.H.I.E.L.D., e vejo vários outros tratores amarelos com guinchos muito altos no jardim. A casa de três andares é então removida dos seus alicerces, posta em posição horizontal e girada como uma funda dentro do pomar repleto de macieiras carregadas de frutos verdes, ácidos e maduros, e percebo que, em cada um deles, há uma frase escrita: "J#w quer" ou "eu quero" -- a vontade do Mais Alto está impressa em tudo ao nosso redor.
Capítulo III - Partida
As pessoas que moram no imenso condomínio ao nosso redor olham espantadas para a nossa casa, que em seguida é arremessada como um foguete sem motores ao longo de uma estrada pavimentada com plástico, ladeada por grandes árvores frutíferas e, agora, tomada por manadas de animais de todos os portes. A casa flutua no ar e muda de altitude somente quando necessário. Sobrevoamos um grupo de enormes paquidermes rosados, que o Mais Alto diz apreciar muito e, em seguida, encontramos um rebanho de touros parecidos com bisões, que contraem os abdômens em espasmos súbitos para emitir sons em frequência inaudível, o que faz parecer que estejam rindo. Nesse momento estamos a pé na estrada de plástico enquanto o Mais Alto repreende a todos, dizendo que matará quem se perder novamente do grupo. Seguimos todos a pé e vou conversando com A Mulher na retaguarda da tropa, olhando as casas vazias ao redor, quando de súbito percebemos que o grupo sumiu.
Capítulo IV - Separados do Grupo Superior
Agitados, olhamos para os lados e para o céu, procurando por eles, e vemos várias figuras aladas que se movem rapidamente em direção ao poente. Alçamos vôo procurando por nosso grupo entre as dezenas de voadores e não há sinal deles. Lembramos da advertência do Mais Alto e acreditamos que a morte virá automaticamente, se ficarmos para trás. Assumimos, então, nossa nova posição no eclético e desorganizado Grupo Intermediário, seguindo os bandos em direção ao Oeste, e insto A Mulher a voarmos mais alto, para podermos ver mais longe. Para trás, ficam os que não podem voar.
Capítulo V - O Obstáculo Ocidental e Meditação
Atingimos, então, uma gigantesca construção que era utilizada como ginásio, e que barra a passagem de todos. Entramos no imenso prédio, procurando maneiras de passar para o outro lado, e vemos que algumas pessoas já escalam as paredes ocidentais, apoiando-se em pequenos estribos de corda presos a intervalos curtos, e acessam diminutas janelas corrediças envidraçadas, que permitem ver o exterior. Subimos e estimulo A Mulher a passar por uma das janelas, enquanto esforço-me para passar por outra, anotando mentalmente as grandes lições de amadurecimento e prevenção, cuidados, atenção, foco, persistência, urgência, força e orientação que a Fuga nos ensina.
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