quarta-feira, 1 de dezembro de 2021
Mini reflexão sobre os
“problemas” dos atuais candidatos e das nossas “elites” - Paulo Roberto de
Almeida
Começo sendo um pouquinho desrespeitoso, como convém a um contrarianista e adepto do ceticismo sadio (como se aprende lendo Balzac):
O problema do Lula é ser corrupto e mentiroso.
O do Bolsonaro é ser psicopata perverso e totalmente
incompetente.
O do Moro é de ser ligeiramente esquecido sobre as
traquinagens que fez enquanto juiz e de ter (ingenuamente ou forma oportunista)
confiado no psicopata para levá-lo ao STF.
O do Ciro é o de pretender ser um sabe-tudo, e de insistir
nisso.
Tem mais, para os demais candidatos também, pois nunca fui
de poupar qualquer candidato, exigente como sou, na minha condição de eleitor
alerta e consciente e de ser um cidadão instruído e participante na busca de
soluções aos problemas do Brasil (eles são muitos, infinitos).
Mas vamos a uma pequena exposição sociológica e histórica
sobre os nossos grandes problemas.
Todos os candidatos merecem ser reduzidos em suas
respectivas faltas de humildade, ao pretenderem ser o próximo salvador da
pátria. Não são! Pelo menos não sozinhos, nunca serão.
O Brasil não será salvo por um paladino solitário, que
pretende encarnar todas as virtudes de um presidencialismo imperial, o pior
sistema de governo que pode existir (fora da autocracia, claro). E já confesso
aqui que sou parlamentarista, mas sem qualquer ilusão: sei que o regime parlamentar,
num país como o Brasil, vai redundar (pelo menos numa primeira fase, 10 a 15
anos) na exacerbação das PIORES práticas do nosso estamento político altamente
corrupto: patrimonialismo, nepotismo, fisiologismo, prebendalismo,
aparelhamento, “emendalismo” doentio, enfim, tudo aquilo que detestamos, mas
que continua a persistir no Brasil dada a baixíssima educação política do
eleitor brasileiro (para não dizer falta de educação tout court).
Talvez, quem sabe, mesmo remotamente, o parlamentarismo poderá
ajudar a corrigir lentamente todos os problemas brasileiros, que são muitos,
mas que resumo em três principais tragédias: a não educação, a corrupção
política e a insegurança judicial (que também é reflexo dos privilégios
exorbitantes e das ambições individuais da alta magistratura, nossa
Nomenklatura, os novos aristocratas do Ancien Régime, que aliás vivem com mais
conforto e luxo do que a antiga noblesse de robe, bem mais do que a noblesse
d’epée, nossos milicos, que também gastam consigo, e com seus familiares, muito
mais do que deveriam).
Mas, retomo o PROBLEMA da “salvação” do Brasil, se é que ela
ainda existe, isto é, se o Brasil já não foi lançado de uma espiral sem fim
para o fundo do poço, um grande torvelinho apontando para um processo de declínio
contínuo, uma espécie de “race to the bottom”, no qual parecem querer jogá-lo
todos esses representantes das elites dominantes e dirigentes que mandam no
país e seus habitantes.
ELITES: pronto, cheguei na palavra chave que define o estado
presente (o passado também) e o futuro do país. Sem pretender aderir a qualquer
teoria das elites — à la Gaetano e Mosca, objetos de minhas leituras juvenis
como sociólogo aprendiz —, não há como recusar o fato elementar de que, à
exceção dessas hordas de bárbaros lançados desenfreadamente à conquista de
territórios vizinhos, toda nação, qualquer país normalmente constituído,
qualquer Estado funcional, é sempre dominado e dirigido por uma elite, mesmo
quando a elite é múltipla, dispersa, não coordenada entre si, contraditória em
seus desejos setoriais, eventualmente brigona e conducente a rupturas políticas
frequentes (como acontecia na Itália das lutas entre guelfos e gibelinos, como
bem sabiam Guiccardini e Maquiavel das Istorie Fiorentine).
Certos países, como vocês sabem, são lançados em uma
inevitável decadência— aqui mesmo, ao lado, e na longínqua Ásia, em outros
tempos — por falhas conjunturais de seus sistemas políticos e por falhas
estruturais de seus sistemas econômicos, e SEMPRE por falta de suas elites dirigentes
e dominantes, que são as que mandam, mesmo desordenadamente, no país em
questão, o que ocorre muito frequentemente, mesmo em países supostamente
avançados (e os EUA de Trump, com seus caipiras amestrados e dois partidos
atualmente disfuncionais, não me deixam mentir).
Não sei se o Brasil já chegou a esse ponto de um declínio
estrutural e longevo, inevitável ainda que imperceptível, ou se ele está apenas
resvalando na beira do precipício, mas me parece evidente que suas estruturas
econômicas e suas instituições politicas — nos três poderes — já se tornaram
disfuncionais e autofágicas. Tudo isso por culpa da tremenda MEDIOCRIDADE de
suas elites, tão evidente (quando se ouve qualquer um de seus pretensos
representantes, com raras exceções) que dispenso até de oferecer
exemplos.
OK, elas já eram medíocres, cegas e ignorantes, ao preservar
o tráfico, a escravidão, um regime voltado unicamente aos interesses dos
grandes proprietários e dos mandarins do Estado, desde a Independência, como já
alertavam antes, e continuaram alertando depois, mentes preclaras, como foram
Cairu, Hipólito e Bonifácio (sem conseguir se fazer ouvir pelo que comandavam
aos destinos da nova nação que surgia).
Depois elas melhoraram um pouco, ao ter mais filhos educados
em boas universidades estrangeiras — não tinhamos, nunca tivemos as nossas, até
meados do século XX — e abertos às leituras dos melhores livros. O fato de
termos acolhido refugiados, exilados e emigrantes de boa formação também
ajudou: depois, os milicos e nacionalistas rastaqueras cortaram a porta de
entrada desses imigrantes de qualquer tipo, ricos e pobres, a pretexto de
“preservar empregos aos nacionais” e de “salvaguardar a segurança nacional”:
IDIOTAS!
Seja como for, certas elites no meio do caminho melhoraram
um pouco a administração do país ao se ajustarem ao que Gilberto Amado falava
da República Velha: “as eleições eram falsas, mas a representação era
verdadeira”, no sentido em que os “eleitos” eram membros de uma elite educada,
falando direito, conhecendo as leis e dotadas de um visão cosmopolita (pois
eram os únicos que viajavam, falavam Francês, ainda que fosse mais para falar
com as meninas do Moulin Rouge do que para se entreter com estadistas da
Europa). Depois veio a época da americanização do Brasil, com aquele jeito
grosseiro do Tio Sam, mas com muitomais dinheiro do que os antigos banqueiro da
City londrina. Era isso a nossa antiga elite imperial e da Velha República;
tinha manias francesas, mas o dinheiro era inglês, como ainda registrava
Monteiro Lobato em seu Mister Slang e o Brasil, um perfeito retrato do Brasil
atrasado e corrupto da Velha República.
O próprio Lobato foi para a América e voltou americanizado,
querendo dar aço e petróleo ao Brasil: não conseguiu, mas abriu os caminhos da
modernização industrial com que sonhava Mauá e que seria feita pelos milicos
nacionalistas e pelos parvenus da indústria, imigrantes ou os velhos barões do
café reciclados nas engrenagens do novo modo de produção.
Até que fizemos bem, e o Brasil da periferia se tornou uma
grande nação industrial — com as distorções do protecionismo renitente e do
mercantilismo ideologico — mais até do que certos países da Europa meridional.
Tudo parecia sorrir para aquele otimismo dos “cinquenta anos
em cinco” quando as ambições desmedidas de alguns governadores e a paranoia
anticomunista dos milicos nos levaram a um novo golpe militar, um dos muitos
que se sucediam desde a derrocada da monarquia e o advento da república, justamente
por meio de um reles golpe militar. O florianismo — essa coisa do “faremos à
bala” — parece que ficou incutido em muitos militares e em vários civis.
O fato é que os milicos donos do poder até que não fizeram
mal no plano estritamente material e infraestrutural, mas erraram tremendamente
no plano educacional, não por culpa deles inteiramente: eles vinham das boas
escolas militares ou da primeira fase das “escolas republicanas”, que era de
boa qualidade, mas que só alcançavam as classes médias e as camadas pobres
urbanas, excluindo totalmente os desclassificados das favelas, dos subúrbios e
os muitos rurícolas (ainda praticamente 50% da população).
Os militares negligenciaram a educação de massa de boa
qualidade (como fizeram, por exemplo, as elites coreanas, inclusive a ditadura
militar) e investiram pesadamente na superestrutura, a graduação, a pós e a
P&D, o que não estava errado, mas era insuficiente e discriminatório, num
país que se urbanizava, se industrializava e se democratizava socialmente (sim,
a despeito da ditadura, o processo de ascensão social se ampliou e se
diversificou durante o regime militar, e mesmo a cultura se ampliou e foi
extremamente vibrante durante e apesar da ditadura retrógrada e censória).
Volto ao PROBLEMA das elites, pois o nó dos problemas Brasil
está, continua sendo, sempre foi, a mediocridade das nossas elites, as
oligárquicas, as industriais, as do mais recente agronegócio frondoso, as
velhas do establishment militar, os mandarins do Estado, com destaque para a magistratura
prebendalista, e até algumas elites acadêmicas, sonhadoras e distantes do povo,
como costumam ser, e inclusive algumas novas elites vindas do chamado
“sindicalismo alternativo”, que se adaptou rapidamente ao ambiente corrupto
criado pelos vínculos estatais (e até derivaram para o sindicalismo
mafioso).
Já nem preciso atacar as elites políticas, pois que, depois
dos grandes tribunos da República de 1946 (alguns sobreviveram ao regime
militar), o terreno foi invadido pelos representantes do corporativismo
persistente, pelos oportunistas do baixo clero, pelos demagogos ignorantes e
por toda uma fauna variada que se acomodou nos privilégios e mordomias criadas
pelos militares (para domesticar esses “representantes do povo”) e que acabou
criando esse estamento político impérvio às necessidades da nação, só
interessados em seus ganhos privados a partir da “socialização dos prejuízos”,
o que sempre fizeram todas as oligarquias.
O Brasil virou uma plutocracia, mas não de antigas classes
privilegiadas, e sim de parvenus continuamente incorporados aos circulos
dominantes e dirigentes, como os novos milionários: o “rei do cimento”, o “rei
do gado”, o “rei da soja”, os “reis” de qualquer coisa, mas sempre grudados num
alvará régio, numa concessão estatal, numa prebenda qualquer do poder público.
Mas, qual é o problema principal de nossas elites (e aqui
retomo uma ideia do Bolívar Lamounier, que pretendia fazer dela um projeto de
pesquisa )? O problema é que que essas elites NÃO FALAM ENTRE SI, além e acima
de seus interesses particularistas, e da coordenação de seus interesses
setoriais das associações respectivas e das confederações nacionais dos grandes
ramos da economia.
Os grandes barões (vários ladrões) dessas entidades não
conversam quase nada entre si, sobretudo quando se trata de “comprar” (esse é o
termo) o seu senador, o seu deputado, ou quando muito para virem a Brasília
reclamar (ou exigir, sob ameaça de desemprego) favores setoriais, que são
concedidos isoladamente para aquele setor, mas que depois recaem sobre toda a
sociedade (sob a forma de tarifas protetoras, subsídios fiscais, empréstimos e
financiamentos dos bancos estatais a juros camaradas).
Esse é o PACTO PERVERSO que coibe, dificulta, obsta ao
desenvolvimento social do país, mas que privilegia, protege e promove os
interesse e os ganhos da parte alta da “Belíndia” (apud Edmar Lisboa Bacha). Um
pacto perverso que junta os donos do capital, os donos do dinheiro, a seus
representantes políticos, alguns até representantes da “classe operária”, mas
que se acomodaram no compadrio geral do dinheiro fácil.
Pode ser que a exacerbação da extração politica do estamento
congressual, simbolizado por todas essas emendas abusadas — que nada mais são
do que um verdadeiro estupro orçamentário —, convença agora as elites
dominantes a rever a sua relação com o estamento político nacional, que se
transformou numa “classe em si”, no sentido marxista da palavra, além de tudo,
uma classe egoista, com representantes autistas e depravados.
Eu teria muito mais a dizer sobre os PROBLEMAS do Brasil,
mas creio que estas considerações são suficientes para dar início a uma segunda
série de proposições a respeito de possíveis soluções a nossos problemas mais
prementes. Vale pela atenção…
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1/12/2021
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