Samuel Pessôa
Folha
06/07/2014 02h00
Na última terça feira, 1º de julho de 2014,
comemoramos os 20 anos do lançamento do real. Desde então temos convivido com
inflações civilizadas apesar de ainda relativamente elevadas. O Plano Real teve
três etapas. A primeira, o Programa de Ação Imediata (PAI), lançado em junho de
1993, criou as condições fiscais para os passos sucessivos.
Entre
inúmeras medidas de contenção de gasto e aumento de receita, a principal foi a
aprovação, já no início de 1994 (pelo Congresso revisor da Constituição que
trabalhou de outubro de 1993 a maio de 1994), do Fundo Social de Emergência
(FSE), que desvinculou 20% da receita da União para permitir a construção de
uma sólida poupança pública.
De fato,
em 1994 o superavit primário do setor público consolidado elevou-se em três
pontos percentuais do PIB em relação ao ano anterior, atingindo 5,2% do PIB.
O grosso
desta melhora fiscal, como tem sido recorrente desde então, deveuse à elevação
da carga tributária, que aumentou 2,6 pontos percentuais do PIB de 1993 e 1994.
A segunda
parte do plano foi a edição em 1º de março de 1994 (aprovada pelo Congresso em
20 de maio) da medida provisória que criou a Unidade Real de Valor (URV). Aí
estava a parte mais engenhosa do plano.
A URV era
uma unidade de conta -apesar de não existir enquanto realidade física- que
grosso modo acompanhava o câmbio. A economia dolarizou-se sem se dolarizar. De
forma transparente e prevista, criaram-se as condições para que em 1º de julho de
1994 a nova moeda, o real, fosse implantada. O resto da história é bem
conhecido.
O grande
erro de gestão do plano de estabilização foi a piora fiscal que ocorreu de 1995
a 1997. O superavit primário reduziu-se 5 pontos percentuais do PIB.
A forte
piora fiscal foi consequência do impacto desastroso que a estabilidade de
preços teve sobre a execução orçamentária do setor público. Anos de inflação
fizeram com que o Congresso aprovasse um Orçamento inexequível que era
executado com controle na boca do caixa.
Antes do
Plano Real, dado que a receita de impostos era bem indexada, e o gasto, não,
pequenos atrasos na liberação dos pagamentos ou na autorização do início de um
programa ou de uma obra ajustavam o Orçamento à realidade da receita.
O fim da
inflação retirou do Tesouro esse instrumento de execução orçamentária. A
contrapartida da piora fiscal foi a forte elevação da fatia do consumo das
famílias e do setor público no produto, de 77,5% do PIB em 1994 para 83,5%.
O
desequilíbrio do setor público foi refletido na piora externa. O câmbio valorizou-se,
o deficit de transações correntes ultrapassou 4% do PIB, as dívidas pública e
externa aumentaram.
O erro do
plano não foi empregar em demasia a âncora cambial. O erro foi demorarmos tanto
para enfrentar o problema fiscal. Quando as condições externas pioraram e não
havia mais condições de financiarmos externamente nossos desequilíbrios,
alteramos o câmbio e fizemos um forte ajuste fiscal.
O
superavit primário elevou-se de 0% do PIB em 1998 para 2,9% do PIB em 99. Foi a
melhora fiscal em 99 que garantiu que o real não fosse um novo Plano Cruzado e
a inflação voltasse. É devido ao ajuste fiscal que estamos hoje comemorando os
20 anos do real e os 20 anos de estabilidade de preços. E este é o maior legado
do Plano Real.
A
estabilidade de preços teve forte impacto sobre a pobreza. Segundo a Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), a renda do trabalho para o 1º
centésimo e o 1º décimo da distribuição de renda elevou-se em 50% ante o valor
médio vigente no período de 1984 a 1993.
Avalio que
o Plano Real é obra completa. Representou fantástico programa de ajuste
monetário de uma economia acometida de hiperinflação crônica (quase que uma
contradição em termos).
Os elevados juros reais que nos perturbam até
hoje resultam da baixíssima taxa de poupança de nossa sociedade. Esta, como
tenho seguidas vezes argumentado neste espaço, resulta de uma escolha social.
Assim, será tarefa da política na próxima década criar as condições para que os
juros reais caiam permanentemente. Dependerá de medidas que elevem fortemente a
poupança pública.
(Samuel de Abreu Pessôa é formado em física e doutor em economia pela USP e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV)
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