A reação ao episódio da 214 Sul também é a cara de Brasília: a população engajou-se em uma campanha de boicote ao posto de combustíveis que, até o dia da agressão, tolerava e encorajava a realização de festas com som alto e bebedeira madrugada adentro, no meio de quadras residenciais.
A omissão do Estado, evidenciada nos depoimentos de todos os brasilienses que reclamam de barulho em postos de combustíveis e bares em áreas residenciais do Plano Piloto, sem que a polícia atenda aos pedidos de ajuda, é também a cara da cidade e, de resto, do Brasil inteiro. Apesar do desperdício de dinheiro do contribuinte que essa omissão representa, a ruptura do contrato social, protagonizada pelo próprio governo, obriga os cidadãos a mobilizarem-se em torno de demandas que acabam por sacudir as autoridades do seu sono letárgico.
Exemplos recentes dessa mobilização foram as manifestações públicas que resultaram na prisão do ex-governador do DF e de alguns Deputados Distritais e sua posterior cassação; o Projeto Ficha Limpa, empurrado goela abaixo de um Congresso apodrecido pela corrupção; e o boicote ao posto da 214 Sul, que já tem blog e página no Orkut.
Brasília tem uma classe média relativamente politizada e educada (no sentido da educação curricular formal), capaz de reagir citadinamente à omissão do Estado, e o faz eventualmente. Mas e o resto do País, repleto de pessoas pobres (e, portanto, sem voz), sem auto-estima e ignorantes dos seus direitos constitucionais? Essas populações enormes acumulam dores e frustrações todos os dias, sendo empurradas gradativa e consistentemente em direção à revolta, cuidadosamente dominada através da instilação diária do conhecimento da sua impotência -- divulgada pela TV através das decisões absurdas tomadas diuturnamente pelo Judiciário e pelo Legislativo contra a sociedade, com o apoio silencioso e ativo do Executivo, em todas as esferas.
Somente essa opressão psicológica separa as camadas mais pobres da sociedade brasileira da estupidez de uma guerra civil, em que os sem-privilégio formem fileiras contra os próprios agentes públicos, que recebem dinheiro da população para protegê-la, dar-lhe educação, saúde e dignidade, e que apropriam-se de tudo isso como se fosse coisa privada.
Todavia, estão instalados os elementos para o messianismo que cria sujeitos como Hugo Chávez, Khomeini, Fidel Castro e outros tiranos que, aproveitando-se de uma população iletrada e psicologicamente adaptada à opressão, realizam sua "revolução" pessoal para em seguida sangrar (literal e economicamente) a sociedade em benefício de seus egos. Esperemos que, no Brasil, esses sejam tempos idos.
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