Em tempos de politização de tudo,
alguns cuidados básicos acabam sendo necessários ao postar dados ou opiniões
nas redes sociais, especialmente quando essas informações tiverem o potencial de contrariar crenças necessárias
à manutenção das teogonias que se contrapõem na internet. Lembre-se de que
qualquer fato contradiz alguma crença, inclusive esta.
Assim, além de explicitar com todas
as letras o que você deseja enfatizar com as informações que apresenta, é
necessário abrir a postagem com o óbvio do óbvio do óbvio. Isso porque, a
partir da sua informação, muitas pessoas farão as contas óbvias e terão os
insights óbvios, e poderão acusar sua postagem de omitir o óbvio. Então, por
mais que você queira ir diretamente ao ponto, não queime etapas: explique os
primórdios do raciocínio, ainda que estes lhe pareçam evidentes. Isso
minimizará o "fogo amigo" e reduzirá o trabalho de ter que explicar a
muitas pessoas que, para poderem contestar ou contribuir com o raciocínio
explicitado, primeiro elas deveriam ler o post.
Portanto, a abertura do seu post
deverá conter algo como:
“AVISO: não defendo o Lula, não defendo o Bolsonaro, não sou comunista, não sou plutocrata, sou republicano e democrata e não faço apologia a ditaduras, sejam de "esquerda" ou de "direita"; sou antipopulista; não referendo HCQ, mas acho que as pessoas podem se agarrar a qualquer esperança que não as mate; sei do problema de quem não está trabalhando, porque meus clientes, meu patrão e eu também não estamos; não torço contra o Brasil; quero que todos sobrevivamos à pandemia; não sou médico nem cientista, mas sei ler um gráfico; o que estou apresentando são fatos, os dados são os oficiais, e a análise que faço dos fatos visa evidenciar o elemento x, com o objetivo de abrir um debate científico dentro de parâmetros de civilidade, que a corrobore ou que a corrija; o raciocínio contido nesta postagem partiu do elemento n, confrontado com o problema z, levando à conclusão y, que é referendada pelos elementos j, k e g, conforme atesta a literatura h, disponível na obra m, do autor f, que tem a formação t e é especialista no assunto w”.
Ademais, há conceitos que muitas
pessoas não conseguem alcançar, mas que usam sem cerimônia, como "comunismo”,
"direita", "esquerda", "hipocrisia",
"democracia" ou "reacionário"; e outros que passam
despercebidos, como "populismo", "República", "método científico",
"extremismo", "despreparo", "freios e contrapesos", "integridade", "honestidade" etc., que, por mais óbvios
que lhe possam parecer, será necessário explicar a priori.
Por outro lado, se você fizer um
disclaimer desses todas as vezes em que publicar alguma coisa na rede, as suas
postagens se transformarão num campo de batalha, uma vez que você terá agredido
simultaneamente a todas as crenças das quais muitas pessoas, encampadas nisso
ou naquilo, dependem para por um mínimo de ordem na sua cosmogonia particular.
A conclusão a que se chega é a de
que, por mais clara que sua publicação possa lhe parecer, será impossível
evitar que torcedores disso ou daquilo entrem no seu post bradando palavras de
ordem (atualmente chamadas de “hashtags”), na esperança de que seus gritos
modifiquem os fatos. Assim, se você tem informações produzidas a partir da
análise responsável de dados rastreáveis, publique-as de peito aberto e
prepare-se para o óbvio: num país onde os livros são considerados um amontoado
de muita coisa escrita, sempre aparecerá no seu post alguém disposto a
incendiá-los.